A crise das dívidas soberanas

Friday, 19 August 2011 14:57 atm
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A poupança dos países emergentes suporta, por enquanto, o financiamento das economias ocidentais. O mercado dá triplo “A” à dívida pública dos EUA. O mercado espelha, a cada dia que passa, o fim do euro.

A crise das dívidas soberanas é transversal a todo o mundo ocidental, que consome mais do que aquilo que produz. Os países do médio oriente, América do Sul e Sudeste Asiático, como o Qatar, arábia Saudita, China, Índia e Brasil confiam nas economias ocidentais, alocam o seu dinheiro em dólares, euros, libras esterlinas e francos suíços e financiam essas economias através da compra de dívida pública para receberem uma remuneração.

As economias emergentes apreenderam o know-how ocidental, têm importantes pólos industriais, alguns centros de excelência ao nível da física, medicina e compreenderam o mecanismo de funcionamento dos mercados financeiro (e.g. o Brasil começa a dispensar grandes bancos como o Goldman Sachs para a realização de fusões e aquisições, argumentando que têm bancos brasileiros capazes de o fazer). Paradoxalmente, como os países emergentes não garantem uma segurança social idêntica à dos países ocidentais, os trabalhadores poupam cerca de 30 a 40% do seu rendimento (em detrimento do consumo) e vão [ainda] financiando o quase falido sistema social ocidental.  

Os desequilíbrios macroeconómicos dos EUA são conhecidos há muitos anos. O défice orçamental e a dívida pública agravaram-se com a guerra do Iraque e com a crise financeira do “Subprime”. A dívida pública passou de 60% do PIB, para 100% do PIB em poucos anos. No entanto o défice comercial abrandou depois da crise financeira de 2008, com a redução das importações devido à diminuição do rendimento disponível provocado, principalmente, pelo aumento de desemprego. Em termos anuais, passou de 800 mil milhões de dólares (USD) para 500 mil milhões USD, em termos relativos de 5,5% do PIB para 3,5% do PIB.

O presidente Barack Obama referiu, no passado dia 8 de Agosto, que os EUA são e continuarão a ser um país de triplo “A”. Se continuarão a sê-lo só o tempo o dirá, mas neste momento são um país de “AAA”. E quem é a entidade que corrobora a afirmação de Obama? O mercado. As obrigações do tesouro norte-americanas sobem há mais de um mês, nem o impasse do “Debt Ceiling” (limite da dívida pública), nem o corte de “rating” por parte da Standard&Poor’s travou a subida das suas cotações. São um activo de refúgio, idêntico ao ouro, diante da forte queda dos mercados accionistas, após dados macroeconómicos que reflectem um forte abrandamento económico. As yields das T-Bonds estão nos 2,18%, há 15 dias atrás estavam nos 3% e os Credit Default Swap(CDS) a 5 anos permanecem inalterados em torno dos 0.5% há quase 2 anos, o que demonstra serenidade quanto a um incumprimento por parte dos EUA.

A agência de notação financeira Standard&Poor´s reviu, pela 1ª vez na história, o rating de crédito do Estado norte-americano de “AAA” (investimento de excelência) para AA+ (investimento com classificação elevada). Moody’s e Fitch mantêm a sua notação de crédito para os EUA em triplo “A”. Estas 3 agências detêm 90% da quota de mercado da notação de crédito. Existem agências na Europa, China e até em Portugal. As agências servem de farol ao mercado, são uma referência quanto ao investimento, no entanto os investidores são livres de escolherem outro porto. A luz emitida pelo farol da Standard&Poor’s quanto à dívida norte-americana não foi tida em conta pelo mercado. Pelo menos até este momento…

Fundos soberanos, fundos de pensões, fundos das instituições financeiras e alguns investimentos particulares têm estatutos que regulam a alocação do investimento pelos diferentes títulos no que concerne à sua classificação de crédito. Se uma determinada carteira, por imposição dos seus estatutos, for obrigada a uma exposição de 50% em OT (Obrigações do Tesouro) de rating  máximo "AAA" e o remanescente repartido por OT de
 rating "AA" e "A", caso o rating  de algumas OT classificadas com triplo "A" que tenha em carteira seja revisto para "AA", o fundo alienará essas OT e manterá a exposição acima dos 50%. Mas os investidores são racionais e só alienarão essas OT se acharem a recomendação credível. Caso não haja fidúcia na agência financeira, simplesmente alterarão os seus estatutos, porque a salvaguarda dos seus investimentos é o seu objectivo. Uma casa financeira divulga uma recomendação para uma determinada acção com um dado preço alvo, os investidores não são obrigados a seguir a recomendação, faze-lo-ão se acharam credível a recomendação. Agências de rating, casas financeiras e afins orientam, a opção de investimento é do detentor do capital.   

A Europa atravessa graves problemas orçamentais e ao nível da dívida pública. O tecto de 3% de défice público e 60% de dívida pública são neste momento violados por quase todos os Estados-Membros. A Alemanha tem uma dívida pública de 80% do PIB e um défice orçamental bastante acima dos 3% do PIB previstos no tratado de Maastricht. Os Credit Default Swap (CDS) a 5 anos atingiram, no passado dia 9 de Agosto, uns preocupantes 1,63% no que concerne à protecção contra um incumprimento da França (valor idêntico aos CDS de Portugal há um ano atrás, após o resgate da Grécia) e ainda há pouco mais de um mês cotavam nos 0,6%. Os CDS da Alemanha subiram dos 0,5% para 0,83%.

No entanto, as yields das obrigações do tesouro francesas e alemãs estão confortáveis nos 3,23% e 2,36%. Mantêm o estatuto de activo de refúgio? Sim. Porém, face ao incremento do risco destes países, estas yields baixas podem estar a antecipar uma política monetária expansionista por parte do Banco Central Europeu, com uma descida abrupta das taxas de juro, para travar o abrandamento económico. Será difícil imaginar o que poderá acontecer se os CDS da França ultrapassarem os 2% e os da Alemanha chegarem perto dos 1,5%. Na retina dos investidores transparece o receio da sustentabilidade. Neste momento foram “resgatados” 6% do PIB da Zona Euro (i.e 3 peões, Grécia, Irlanda e Portugal), caso a Espanha e a Itália também necessitem de um “bailout” serão mais 12% e 18% do PIB respectivamente (i.e. 2 torres). Com o agudizar da percepção do risco pelo mercado, se por hipótese a França precisasse de um resgate, seria a queda da rainha com um peso de quase 25%. Ficaria a Alemanha a segurar os restantes países membros e a falência do sistema seria inevitável com um cheque ao rei. Na segurança social, quando 5 trabalhadores descontam para a reforma de um reformado o sistema funciona, contudo quando a pirâmide se inverte e um trabalhador suporta a reforma de 5 reformados o sistema entra em ruptura. Novo jogo com vários tabuleiros e cada país com o seu euro. Euro português, euro alemão…

A compra de dívida pública por parte do BCE é benéfica enquanto objectivo para “comprar tempo” até os Estados-Membros chegarem a um acordo viável. Esta instituição pode fazê-lo indefinidamente - porque “imprime notas” - mas não resolve nenhum problema de fundo, bem pelo contrário esbarra no principal propósito, da instituição, a estabilidade de preços.  

Qual será o comportamento dos investidores no futuro? Provavelmente adoptar o lema: “Nunca ir contra o mercado”. A integração europeia está em regressão desde 2008. A Europa, para contrariar os mercados e dar-lhes outro rumo, tem que falar a uma só voz e criar uma união política baseada em dois pilares fundamentais: solidariedade e responsabilidade. Solidariedade dos países setentrionais com défices orçamentais moderados e superávits comerciais e responsabilidade dos países meridionais no objectivo de equilíbrio das suas contas públicas e comerciais.

Por: Paulo Monteiro Rosa, licenciado em economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Senior Trader no Banco Carregosa desde Janeiro de 2006.


Last Updated on Sunday, 21 August 2011 21:33  
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