O combate ao uso de informação privilegiada passa por fazer com que esta deixe de ser privilegiada.
Na defesa do interesse público relacionado com a promoção da confiança no mercado de valores mobiliários enquanto canal de financiamento das Sociedades e, ao mesmo tempo, de aforro popular, importa, desde logo, criar condições de segurança jurídica e económica que permitam o seu regular funcionamento e desenvolvimento.
Vimos então que é precisamente na captação da poupança dos investidores para o mercado de capitais, que assenta o financiamento das Sociedades Abertas (cotadas) e consequentemente o desenvolvimento das condições económico-sociais.
É pois consciente a necessidade de promover a segurança e confiança no mercado, com vista essa formação e captação de poupança; pertinência que também abrange a responsabilidade do Estado no ensejo que a Constituição (art. 101.º) dá a esse desiderato.
Ora, sabendo a relevância da informação para a tomada de decisão dos investidores relativamente a melhor aplicação do seu aforro, é inequívoco que a segurança e confiança no mercado passa, indispensavelmente, pela necessidade de garantir a qualidade e simetria na informação disponibilizada. Ou seja, à letra deste cânone e aos interesses que se querem ver acautelados, a informação deve cumprir incessantemente os requisitos de transparência, objectividade, clareza, actualidade, completude e licitude e disponibilizada a todos, de forma igual e no mais curto espaço de tempo possível.
Contudo, nem sempre é isso é assegurado; como acontece nas Assembleias Gerais (AG’s) de accionistas, em que há que considerar:
Nas AG’s discute-se e toma-se decisões relevantes para o futuro da empresa, que podem influir de modo ponderável na decisão de investimento dos intervenientes no mercado. No entanto, essa informação, não é imediatamente disponibilizada ao público, tornando assim qualquer accionista presente num potencial insider, na medida em que pode aproveitar para vender, comprar ou manter acções consoante a informação disponibilizada.
Logo aqui colidimos com o potencial risco de iniquidade por parte de qualquer accionista presente na AG que utilize as informações, reservadas a essa reunião magna, para negociar títulos dessa Sociedade ou de outra em que as decisões aí tomadas possam afectar significativamente a sua cotação, e com isso obter ganhos patrimoniais desusados.
Esta prevalência do conhecimento dos factos reservados apenas aos investidores presentes nas AG’s, confere a estes um estatuto e condições de superioridade relativamente aos outros investidores sem acesso ao que é discutido nessa reunião, promovendo assim uma assimetria de informação e poderes de decisão. Desta forma o mercado deixa de conseguir processar eficientemente a informação e portanto não é capaz de ser eficiente.
A segurança e confiança no mercado só é possível se o mercado for eficiente (à parte de ineficiências temporárias) e os investidores (accionistas ou não) forem tratados de forma igual na medida em que se desigualam. Para isso é necessário controverter o uso de informações privilegiadas.
Nenhuma medida é mais eficiente ao combate da informação privilegiada do que aquela que permita a rápida e ampla difusão dessa informação de tal modo que deixará de ser privilegiada, conseguindo assim que essas informações sejam acessíveis a todos os intervenientes nas mesmas medidas de qualidade e tempo, estimulando um mercado mais simétrico, transparente e justo para todos.
É precisamente está uma das razões pela qual o acesso dos jornalistas às AG’s, enquanto agentes de divulgação da informação, deve ser permitido e estimulado.
O intuito preventivo de permitir que os jornalistas possam aceder as AG’s nessa qualidade, torna esta medida numa “vacina” que vem fortalecer e complementar a luta para sufocar o uso da informação privilegiada. Para além disso, à luz do que acontece actualmente, em que os jornalistas recebem informações de dentro das AG’s proporcionada por alguns accionistas que conhecem, está média pode ser o “remédio” imediato, para se conseguir a edição de informação mais rigorosa do aquela que é obtida por fontes accionistas que, ainda que involuntariamente, tem tendência a sublinhar, na esfera dos seus interesses e conhecimentos, a sua visão parcial dos factos, deturpando e enviesando a informação.
Anotemos, agora, um outro aspecto: Não existe legislação que permita o acesso dos jornalistas às AG’s nessa qualidade, mas também não existe nenhuma lei que os impeça de entrar, mais não seja na qualidade de accionistas ou representantes destes; e o que não é proibido é permitido.
No entanto, apesar dos jornalistas poderem usar este subterfúgio de dupla qualidade de accionistas/jornalista para aceder á aludida reunião magna, a ideia não passa de uma “aspirina” não conseguindo ter o alcance de “vacina” e” remédio” que procuramos, isto porque existem pressões éticas, deontológicas, culturais e mesmo técnicas que condicionam a utilização desta forma de contornar uma Lei que não prevê este problema.
Há então que pensar numa solução com um valor intemporal que ultrapasse a ideia do acesso dos jornalistas às AG’s através de cartas de representação. Criar mais uma lei? Mais uma regulamentação? Interferir ainda mais na liberdade do mercado e na esfera privada das sociedades?
Como é sabido o mercado financeiro tende para o equilíbrio se for livre e dessa forma produz a melhor alocação de recursos, pelo que é preferível deixar que seja o próprio mercado a atribuir os recursos como entenda do que tentar interferir mediante regulação nacional ou internacional. Mas será que, neste caso, o mercado é capaz, por si só, de satisfazer as necessidades de informação já elencadas?
Aqui batemos no verdadeiro problema, pois falamos de um mercado onde não existe um código moral forte. O mercado é, por definição, amoral, o que por um lado o torna mais eficiente, deixando que os seu intervenientes compitam pelos seus interesses da forma mais proveitosa para eles próprios, mas por outro, como não os obrigavam a um juízo reflectivo e moral, só os preocupa saber se não “pisaram a lei” e até mesmo só, se “serão apanhados ou não”. Ou seja, o accionista que esteja dentro da AG tem tendência a tentar tirar proveito da informação privilegiada que detém, mesmo sabendo que isso é amoral e, mesmo que houvesse algum tipo de sanção para estes casos, poderia ser tentado sempre a faze-lo se tivesse consciência que a possibilidade de ser apanhado era pequena face a vantagem que poderia retirar dai. Resulta daqui que uma sanção nessa ordem seria difícil de aplicar ou ter efeito pratico, logo teríamos, como temos actualmente, uma assimetria entre a informação prestada aos investidores e aos accionistas presentes na AG. Pelo que o remédio não passa, seguramente, por sancionar quem fizer uso da informação privilegiada dentro da AG, mas por tornar a informação publica o mais rapidamente possível para que ninguém possa fazer uso privilegiado da mesma.
Outra questão que se levanta é o segredo de negócio que a Sociedade tem o dever de salvaguardar e o direito dos accionistas à informação.
Há então que compatibilizar o segredo de negócio com o direito à transparência informativa. Essa compatibilização é já assegurada pelo próprio C.S.C. que permite o segredo da sociedade ao não divulgar informações sobre a gestão da sociedade que possa colocar em risco a mesma. Quanto às AG`s, tudo que ai é tratado constitui facto relevante e é, pela presente Lei, objecto de divulgação junto da C.M.V.M. Portanto, tudo que ai é discutido é para ser do domínio publico e sem risco de segredo de negócio. O único problema é o inicial: Assegurar que a informação chega a todos os investidores 1) da mesma forma 2) ao mesmo tempo.
Chegando a este ponto, podemos concluir que a informação prestada dentro das AG’s pode ser relevante para os investidores que, não sendo accionistas ou não estando presentes na AG, não tem acesso a esta ao mesmo tempo e na mesma qualidade que os presentes nessa reunião. Debatemos por isso com questões de uso de informação privilegiada, assimetria de informação e ineficiência de mercado. Tudo problemas que minam a confiança no mercado e afastam o aforro e a poupança. Fica claro que uma medida que venha restringir ainda mais o uso dessa informação não é a forma mais eficaz de resolver o problema. A forma mais eficaz passa por fazer com que a informação privilegiada deixe de ser privilegiada, para isso é importante a sua rápida disseminação por todos os intervenientes no mercado em condições iguais de qualidade de tempo. Uma das formas de garantir passa pelo acesso dos jornalistas as AG’s que, aliados às vias modernas de informação, como a internet, fazem chegar rapidamente a informação a todo o mercado.
Restas-nos então encontrar a solução.
Soluções perfeitas e intemporais, principalmente num mundo dinâmico e em constante evolução, são difíceis ou mesmo impossíveis de encontrar, e soluções imediatas que esbarrem com questões culturais são difíceis de implementar. Pelo que, na minha opinião, há que começar por tentar alterar a cultura de opacidade que não deveria existir nas Sociedades Cotadas, isso poder ser conseguindo, para já, com uma “soft law” emitida pelo Regulador (C.M.V.M.) e depois irmo-nos adaptando aos resultados e às circunstanciais até preparar todo os agentes para uma “hard law” nessa altura facilmente aceite.
Por: Octávio Viana, Presidente da Direcção da ATM.