A teoria do partidarismo governativo (Partisan Theory) sugere que as empresas conseguem melhores resultados sobre um governo de direita do que de esquerda (Füss & Bechtel, 2008) e que um partido de esquerda tem mais inclinação de que um partido de direita para implementar politicas expansionista, designadamente menores taxas de desemprego e maior crescimento, mas correndo o risco de inflação extra (Hibbs, 1994); teoria perseguida por vários autores.
A teoria do ciclo do negócio político (Political Business Cycle Theory), ou ciclos presidenciais (Presidential Cycles) nos Estados Unidos da América (EUA), sugere que o governo em funções adota politicas económicas expansionistas, essencialmente focadas no aumento da despesa no caso de países que não têm controlo sobre a emissão da moeda (ex. países europeus), de forma a melhorar a situação económica e social e fazer subir o preço das ações pouco antes das próximas eleições, com o objetivo de ganharem mais votos.
Em Portugal, muitos são os jornais económicos que procuram no mercado bolsista a resposta a determinados eventos políticos, principalmente aos resultados das eleições. Esta ideia, por vezes confirmada por muitos especialistas e practitioners nas referidas publicações, leva-nos à necessidade (ou pelo menos à curiosidade) de obter uma resposta mais robusta sobre esta alegada interação entre o mercado bolsista português e a política de Portugal, em particular com os resultados eleitorais.
Para além da satisfação da curiosidade, uma resposta positiva que confirme essa interação pode ser uma oportunidade para alavancar explicações e testes aos modelos político-económicos existentes e, de acordo com Boix & Adserà (2001), investigar os efeitos da globalização sobre a discricionariedade politica deixada aos partidos. Observação particularmente pertinente para os países Europeus, que ao contrário dos EUA não têm controlo sobre a oferta de moeda (emissão de moeda e taxas de juros).
Se os mercados responderem aos resultados das eleições, de tal forma que sejam capazes de induzir as políticas dos partidos a convergir, então o partidarismo do governo terá tendência a desaparecer, deixando de haver uma forte distinção entre um governo de esquerda e de direita no que toca a questões essenciais à economia do país.
O meio académico é fértil em trabalhos empíricos, teóricos e em discussões sobre a influência do partidarismo político do governo nas taxas de retorno dos mercados bolsitas (Schneider & Tröger 2006), sendo que uma das últimas fontes a estimular esse interesse é a atenção do público na evolução dos mercados bolsistas (Füss & Bechtel, 2006), não só em Portugal, como um pouco por todo o mundo.
Entre as várias publicações destacam-se as de:
Santa-Clara & Valkanov (2003), onde observaram que os retornos do mercado bolsista norte-americano é maior durante o governo do partido Democrático (esquerda, mais liberal) do que no governo do partido Republicano (direita, mais conservador). De referir que não existe um consenso sobre partidos de esquerda e direita, principalmente quando comparamos os Estados Unidos da América com os países da União Europeia, pelo que a comparação entre as duas realidades é difícil.
Leblang & Mukherjee (2005), onde examinaram o efeito do partidarismo governativo e as expectativas de uma vitória eleitoral por partidos de esquerda ou direita na média e a volatilidade do preço das ações dos mercados americanos e ingleses entre 1930 e 2000 e concluíram que as expectativas racionais de maior inflação sobre um governo de esquerda diminuiu o volume de ações negociadas no mercado bolsista e consequentemente da média e volatilidade no preço das ações; verificaram que tal acontecia quando o governo de esquerda estava em funções, como quando era esperado que fosse um governo de esquerda a ganhar as eleições. Por outro lado, a expectativa de uma inflação mais baixa numa governação de direita levava a um maior volume de ações transacionadas e em consequência um aumento da média e da volatilidade no preço das ações durante a governação de direita, verificaram o mesmo comportamento quando era expectável que fosse um governo de direita a ganhar as eleições.
Füss & Bechtel, (2008), onde observam que o desempenho das ações de pequenas empresas alemãs estava positiva e negativamente relacionada com a probabilidade de um partido (coligação) de direita e de esquerda ganhar as eleições respetivamente. Referem o exemplo da queda rápida do índice bolsista alemão depois da vitória do Sozialdemokratische Partei Deutschlands (SPD), que é o Partido Social Democrático na Alemanha, considerado de centro-esquerda, contra a Christlich Demokratische Union Deutschlands (CDU) que é a Coligação Democrática Crista, considerada de centro-direita, nas eleições federais de 2002.
Döpke and Pierdzioch (2006), onde analisaram os movimentos bolsistas do mercado alemão com as políticas germânicas e concluíram que não existiam diferenças estatisticamente significativas entre um governo de direita ou de esquerda. Mas por outro lado, concluíram que os retornos do mercado de ações afetou a popularidade dos governos alemães.
Arin, Mochanov & Reich (2007), onde analisaram um conjunto de variáveis políticas para 17 democracias e concluíram a relação entre essas variáveis políticas e os retornos das ações era fraca. Dão dois exemplos “anedóticos”, o do mercado acionistas turco que atingiu o seu máximo histórico no dia seguinte ao anúncio dos resultados das eleições de 2007 e a resposta positiva do preço das obrigações polacas depois da queda do governo liderado por J. Kaczynski.
Stoian & Tatu-Cornea (2015), onde o seu estudo cobriu os anos de 2000 a 2010 e os 20 países da União Europeia, produzindo várias regressões utilizando variáveis politicas, financeiras e económicas, tendo concluindo que os mercados tem uma melhor performance em governos de direita. Sendo que os resultados foram consistentes para economias europeias desenvolvidas, mas sem evidências robustas para os mercados emergentes da União Europeia. Estes autores concluíram ainda que os retornos dos mercados bolsistas europeus não estão necessariamente relacionados com as crenças acerca das taxas de desemprego, inflação, deficit e divida. Avança mesmo que os investidores devem focar-se mais nas ações do Banco Central Europeu (BCE) sobre as taxas de juro, do que sobre os resultados das eleições.
Pantzalis et al. (2000), onde analisaram os retornos dos mercados acionistas em 33 países no período das eleições e observaram que os retornos dos principais índices desses países eram significativamente positivos nas duas semanas antes da semana das eleições. Eles observaram ainda retornos anormais fortes para eleições com elevado grau de incerteza, em particular, em países com avaliações baixas na política, economia e liberdade de empresa e em eleições em que o partido no poder perde.
São pois vários os estudos empíricos a observar os efeitos da política governativa e das eleições nos mercados bolsistas, mas longe de serem consensuais, com exceção do mercado norte-americano onde tais evidências tem sido mais e melhor documentadas, como no supra citado estudo de Santa-Clara and Valkanov (2003) e Leblang & Mukherjee (2005).
Sublinhe-se que, ao contrário dos países Europeus, os EUA têm controlo sobre a oferta de moeda, pelo que as suas estratégias político-monetárias têm necessariamente impacto nos retornos das ações. Por exemplo, para Viana & Santos (2010), ignorar o efeito da quantitative easing (QE) no mercado bolsista é como tocar piano só com um dedo, em que pode até resultar numa certa melodia mas incompleta, pois essa política monetária é extremamente agressiva e com grande impacto nos retornos do mercado bolsista. Significa isto que as eleições presidências nos EUA deverão ter impacto na alteração ou manutenção das expectativas e esperança dos intervenientes no mercado bolsista e agentes económicos e, ceteris paribus, consequentemente nos retornos pós-eleitorais do mercado bolsista como observaram alguns dos autores supra citados, mas não é possível endereçar imediata e diretamente tal comportamento aos mercados Europeus, onde os governos não tem o mesmo controlo sobre a oferta de moeda que os EUA tem.
Sem pretendermos colocar em causa a Political Business Cycle Theory e/ou Partisan Theory, a verdade é que é difícil acreditar que uma estratégia tão simples, baseada meramente no resultado das eleições, possa influenciar a dinâmica de preços de forma consistente, já que se fosse assim e os retornos verificados fossem além de uma sessão de bolsa depois das eleições, seria simples gerar dinheiro consistentemente e, aparentemente, sem grandes riscos de cálculo. Para além de que teríamos de observar uma condição ceteris paribus para as restantes variáveis suscetíveis de influenciar os retornos do mercado bolsista, que é o mesmo que dizer que as variáveis relacionadas com as eleições teriam de explicar em grande percentagem e predizer significativamente tais retornos.
Nesse pressuposto, o presente trabalho não se debruçou sobre a Political Business Cycle Theory, que levaria a uma analise do período pré-eleitoral e teria de se considerar uma serie de variáveis mudas, tais como as medidas politicas geralmente adotadas à luz dessa teoria e nem tão pouco confirmar ou recusar a Partisan Theory, pois o principal foco de interesse neste trabalho é analisar o impacto da eleição de um governo de esquerda e de direita nos retornos do mercado bolsista nos dias imediatamente seguintes à apresentação do resultado das eleições, ou seja, a forma como os participantes no mercado bolsistas interpretam esses resultados. Dito de outra forma, o que aqui se pretende observar é se o mercado reage às eleições e aceita, à priori, a Partisan Theory, podendo assim estabelecer uma estratégia de negociação assente no resultado das eleições, ou se simplesmente a ignora/recusa a teoria, não havendo forma de lucrar no mercado bolsistas com base nessa estratégia.
Assumimos que existem outros fatores suscetíveis de afetar os retornos das ações, nomeadamente os ciclos políticos, instabilidade, fragmentação, variáveis monetárias, e crescimento do produto interno bruto (PIB) que não foram aqui consideradas. Tal decisão assenta no facto do período analisado (após eleições) ser bastante curto, cobrindo apenas períodos de um, cinco e vinte e duas sessões de bolsa. Para períodos maiores, por exemplo para um ou mais ciclos eleitorais sobre uma mesma governação partidária, tais fatores deveriam ser considerados nas regressões através da utilização de variáveis mudas.
No entanto, na busca de uma maior robustez dos resultados, utilizou-se uma variável muda para caracterizar o período de bear market e bull market, mas em vez de ser para o mercado português, optou-se pelos ciclos bolsistas do mercado americano, no caso do índice S&P500. A escolha pelo índice S&P500 para determinar o ciclo bolsista deveu-se à necessidade de procurar algo que influencie o comportamento dos retornos do índice português (e o ciclo bolsista do mercado americano é suscetível de influenciar os restantes mercados), mas que não sejam os próprios retornos a formar essa variável (como aconteceria se o ciclo bolsista fosse determinado pelo comportamento do PSI 20).
As ações com baixo free-float, ilíquidas e de pequena capitalização bolsista registam um maior número de uninformed traders e, consequentemente, mais mispricing e menos eficiência (Viana, 2015), o que poderia afetar os resultados deste trabalho. De forma a ultrapassar esse constrangimento, os retornos do mercado bolsista foram medidas através dos retornos diários do principal índice bolsista português, o PSI20, onde supostamente encontramos as empresas com maior capitalização bolsista, maior free-float e mais líquidas. Para além disso é uma forma de vermos o mercado bolsista português como um todo, em vez de analisarmos os retornos de cada empresa cotada.
Os dados utilizados foram os preços diários do índice PSI20 desde 04/01/1999 até 02/10/2015 obtidos na Euronext e os resultados eleitorais desde 1999 até 2015 obtidos na Comissão Nacional de Eleições.
Com base no preços diários do índice PSI20 calculamos os retornos diários, de cinco sessões e de vinte e duas sessões e de forma a verificar se tais retornos são influenciados pelo resultado das eleições, as mesmas foram utilizados como potenciais preditoras dos retornos obtidos na primeira sessão, nas primeiras cinco sessões e nas primeiras vinte e duas sessões de bolsa imediatamente seguinte(s) à divulgação dos resultados eleitorais num modelo de regressão linear múltipla.
A análise de regressão linear múltipla é feita para os retornos diários, cinco sessões e de vinte e duas sessões e para as variáveis proditórias que assumem um código ternário de 0 para sessão normal de bolsa (sem interferência das eleições), 1 eleições ganhas por partido de esquerda e 2 para eleições ganhas por partido de direita (designamos esta variável como “esquerda direita”), um código binário de 0 para sessão normal de bolsa e 1 para eleições (designamos esta variável como “eleições”), um código binário de 0 para sessão normal de bolsa e 1 para eleições ganhas por um partido diferente daquele que estava no poder (designamos esta variável como “alteração do governo”) e um código binário de 0 para bull market e 1 para bear market (designamos esta variável como “ciclo bolsista”).
Tabela 1 Análise de regressão linear múltipla dos retornos das ações para as variáveis eleições
Valores em itálico correspondem ao valor p.
O R2 apresentado é o ajustado.
Desta tabela constata-se que as eleições não têm influência significativa nas taxas de retorno, tanto para a primeira sessão de bolsa depois de apresentados os resultados das eleições, como para as cinco e vinte e duas sessões seguintes, seja tanto nos retornos diários, como nos retornos registados ao fim de cinco sessões de bolsa (uma semana) ou vinte e duas sessões de bolsa (aproximadamente um mês), pois o valor p é, em todas elas, maior que 0.05. Por outro lado, a variável “ciclo bolsista” (bear market ou bull market) revelou-se um preditor significativo dos retornos do índice PSI 20 (valor p<0.01), ou seja, os ciclos de bolsa do mercado americano (S&P500) respondem em 0.56% (R2ajustado=0.0056) pelos retornos do diários mercado português (PSI20) e em 1.97% e 8.58% para os retornos semanais e mensais; o que não é surpresa.
Verifica-se então que o mercado bolsista é neutral às expectativas que os retornos sigam de acordo com Partisan Theory e tão pouco as eleições são suscetíveis de se revelarem, de algum modo, um preditor significativo dos retornos do mercado nas sessões seguintes às eleições.
Bibliografia
Arin, K. Peren; Molchanov, Alexander and Reich, Otto F., 2001, Politics, Stock Markets, and Model Uncertainty. SSRN: http://ssrn.com/abstract=1010251 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1010251
Döpke, Jörk; Pierdzioch, Christian, 2005, Politics and the Stock Market: Evidence from Germany, European Journal of Political Economy 12/2006; 22(4):925-943. DOI: 10.1016/j.ejpoleco.2005.11.004
Füss, R.; Bechtel, M. M., 2008, Partisan politics and stock market performance: The effect of expected government partisanship on stock returns in the 2002 German federal election. Public Choice, 135 (3/4): 131-150.
Hibbs Jr, Douglas A., 1994, Economics & Politics Vol. 6, Edição 1, pp. 1–23
Pantzalis, C.; Stangeland, D. A.; Turtle, H. J., 2000, Political elections and the resolution of uncertainty: The international evidence. Journal of Banking and Finance 24 (10): 1,575-1,604
Stoian, Andreea; Tatu-Cornea, Delia , 2015, What do European stock markets prefer? Left or right governments?, Managerial Finance, Vol. 41 Iss: 10, pp.1096 –1111
Viana, Octávio, 2015. Pairs Trading: Hedging with an edge?, Tese de doutoramento. Universidade Portucalense
Viana, Octávio & Santos, Paulo 2010. Don’t fight the FED: Quantitative Easing. Associação de Investidores e Analistas Técnicos. http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/87-quantitative-easing
*Octávio Viana, doutorado em gestão de empresas, é presidente da ATM – Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais, consultor da administração da Dif Broker Sociedade Financeira S.A. e consultor de várias pequenas e médias empresas.
**Sandra Ramos, doutorada em estatística e Investigação operacional (especialização em Probabilidade de Estatística), professora do Instituto Superior de Engenharia do Porto