Republicanos e democratas chegaram a acordo para o aumento do tecto da dívida pública dos EUA, no passado dia 31 de Julho, que prevê uma subida de 2,4 biliões de dólares (USD) e evita negociações antes das eleições de 2012, exigência dos democratas. Em troca, os republicanos conseguem um corte na despesa (defesa, saúde [Medicare] e segurança social) no valor de 2,8 biliões USD, nos próximos 10 anos. Porém, o objectivo do presidente Obama de redução do défice orçamental também através do aumento dos impostos não foi alcançado. A despesa anual dos EUA cairá para o nível mais baixo desde que Eisenhower foi presidente, em 1950.
Até 1917 o Congresso autorizava individualmente cada emissão de obrigações. A 1ª Guerra Mundial pedia maior flexibilidade financeira e o Congresso alterou o método e estabeleceu um limite (“Ceiling”) ao montante total de Obrigações do Tesouro (OT) dos EUA [“T-Bonds”] que podiam ser emitidas. Nos últimos 30 anos o tecto foi revisto 21 vezes, de 1 bilião USD para 14,3 biliões USD em Fevereiro de 2010, limite atingido em Maio de 2011, no séc. XXI foram feitas 10 revisões. Como é um valor absoluto é revisto para reflectir a inflação. Contudo, nos últimos anos o aumento foi solicitado pelo descontrolo da dívida pública, que passou de 60% do PIB para 100%. Durante o consulado do presidente Bush, devido ao corte de impostos para estimular a economia devido à recessão de 2003 e aumento de gastos com a guerra no Iraque. Incremento da despesa pública face à crise financeira de 2008, sob a presidência de Obama. Na presente crise da dívida na União Europeia, vários políticos europeus, alguns portugueses sugerem a introdução de um tecto para a dívida pública na Constituição dos seus países.
A cotação das Obrigações do Tesouro dos EUA (“T-Bonds”) sobe há várias semanas, um comportamento aparentemente paradoxal perante a possibilidade de incumprimento no pagamento dessas OT caso não se alcançasse um acordo, enquanto o mercado accionista regista quedas significativas - gráfico1. As justificações são várias: 1) Os investidores nunca acreditaram num incumprimento; 2) Os EUA produzem 25% da riqueza global; 3) Têm Tribunais capazes; 4) Dão primazia aos credores externos; 5) Os EUA podem imprimir moeda para honrar os pagamentos porque emitem toda a sua dívida em moeda local - como o Reino Unido e a Alemanha - que apresenta menor risco que a dívida emitida em moeda estrangeira. A impressão de moeda, em termos reais, pode dar lugar a perdas via inflação, mas em termos nominais, permanece tudo idêntico. Provavelmente se a Alemanha necessitasse de honrar compromissos recorreria à impressão de notas via BCE. Portugal, Grécia, Irlanda não têm essa facilidade; 6) Nem mesmo o impasse durante meses entre os líderes democratas e republicanos, deixando para o último segundo a resolução, o que demonstra uma considerável irresponsabilidade política, abalaram a confiança dos investidores em OT dos EUA; 7) A maior parte da dívida, 72% é detida por americanos, 7% pela China, 6% pelo Japão; 8) Contudo, a principal justificação é o desempenho da economia dos EUA. No passado dia 29 de Julho foi divulgado um crescimento de 1,3% do PIB avançado dos EUA referente ao 2º trimestre aquém do esperado 1,7% e foi revisto para 0,4% de 1,9% o PIB do 1º trimestre, o que espelha o forte abrandamento da economia americana, que na realidade esteve e está por detrás da correcção dos mercados accionistas. O valor das “T-Bonds” deveria cair se o incumprimento fosse uma preocupação, mas tem subido consideravelmente nas últimas semanas mantendo o seu estatuto de activo de refúgio, tal como o ouro, perante a queda das cotações das acções.
A redução do défice orçamental, via acordo do “Debt Ceiling”, diminui o rendimento disponível e tem repercussões negativas na economia. É um mal necessário, perante o agravamento das contas públicas americanas. A dívida pública, as dívidas das famílias, das empresas, os gastos com reformas e despesas de saúde ascendem a mais de 50 biliões de USD, cerca 350% do PIB americano, quase toda a riqueza produzida no mundo. Segundo alguns analistas a economia norte-americana pode acelerar no 2º semestre com a queda do preço do gás, petróleo e a recuperação das fábricas japonesas após o sismo de Março. No entanto, o abrandamento da produção industrial, o frágil mercado de trabalho, o débil sector imobiliário, o arrefecimento da economia chinesa e indiana devido à subida das taxas de juro dos bancos centrais, que prejudicam empresas dos EUA que têm receitas da China para compensar a diminuição de receitas domésticas e a redução do rendimento disponível, pela diminuição da despesa pública em virtude do acordo do “Debt Ceiling” podem levar a economia americana à recessão.
Uma hipotética bolha na economia americana baseada no consumo interno, principal motor da economia dos EUA, realizado com recurso ao crescente endividamento externo, pode ser corrigida pelo corte na despesa pública previsto no acordo do aumento do “Debt Ceiling” que diminui o rendimento disponível, contrai o consumo interno, ajusta a economia através de uma recessão económica e desalavanca a economia. A depreciação do USD traz mais competitividade às exportações e abranda as importações, corrige o défice comercial e a dívida externa. Menos importações dos EUA têm uma repercussão negativa em todos os países, que vêem o seu principal comprador cortar nas aquisições ao exterior. O ajustamento da balança comercial americana far-se-á com abrandamento e recessão em todos os países do mundo. Porém, com a recessão à espreita as “T-Bonds” continuam como activo de refúgio…
1 - Ruptura eminente do sistema financeiro mundial. Queda de quase 50% do índice accionista S&P500. A cotação das Obrigações do Tesouro dos EUA registou uma acentuada subida, espelhada na forte queda das Yields das T-Bonds dos 4% para os 2% que evoluem em sentido contrário, reflectindo o seu estatuto de activo de refúgio.
2 – Os dados optimistas nos EUA referentes ao emprego e preços das casas contribuíram para a recuperação do mercado accionista e para a desvalorização das Obrigações do Tesouro americano, pois a aversão ao risco diminui.
3 – Maior volatilidade no mercado de acções no 2º trimestre de 2011 e aumento da aversão ao risco, com as Obrigações do Tesouro americano a servirem mais uma vez como activo de refúgio como transparece no gráfico1.
Por: Paulo Monteiro Rosa, licenciado em economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Senior Trader no Banco Carregosa desde Janeiro de 2006.