Os novos máximos do primeiro semestre e a implosão da divida pública americana no segundo semestre (2011).
Novos máximos
Antes de mais, impõe-se-me dizer que considero que vamos renovar novos máximos de 52 semanas (nos índices americanos) e, muito possivelmente, até máximos históricos. As razões desta minha visão foram já expressas no artigo de opinião “Compre novos máximos“1 e que sumariamente encontra justificação no efeito da Quantitative Easing 2 (QE2). Ou seja, para este primeiro semestre de 2011, enquanto durar a QE2 (que termina em Junho), as minhas perspetivas para o mercado acionista continuam bastante positivas; o mesmo já não acontece para o segundo semestre deste ano, que pode inclusivamente vir a fechar negativo.
Os novos máximos, a renovarem no segundo trimestre do ano, serão muito possivelmente o “canto do cisne”.
A tragédia que se abateu sobre o Japão e as suas implicações na economia global
Muitos agentes do mercado estão a desprezar o súbito choque que a economia do Japão foi sujeita enquanto fator de contágio a outros mercados, fazem-no, acredito, sem considerar todas implicações que o mesmo terá no mercado de capitais Japonês e, particularmente, nos EUA e Europa.
Considerando o “black swan” do Japão, os conflitos no Golfo e até alguma relutância da China em continuar a comprar dívida pública americana, o risco de implosão dos mercados de divida pública americana é significativo de mais para ser tirado fora do juízo sobre os mercados acionistas.
A tragédia que se abateu sobre a economia do Japão terá, muito certamente, grandes implicações nas economias mundiais, em particular na Europa e EUA. O Bank of Japan (BoJ) tem estado a fornecer liquidez ao sistema financeiro japonês, num valor aproximado de 20 triliões de yens (308 mil milhões de dólares)2, o que no curto prazo deve ser suficiente, mas que a longo prazo necessitará de ser reforçado no sentido de financiar o custo enorme da estabilização e reconstrução da economia Japonesa.
O Japão é a terceira maior economia do mundo e a reconstrução das áreas afetadas vai acabar por gerar emprego e estimular a economia (famílias e empresas) como um todo. No entanto, a verdade é que o Japão é também a economia mais endividada do mundo em termos de percentagem do PIB (mais de 2x o PIB)3, o que leva a alguma desconfiança relativamente à qualidade da divida soberana japonesa.
Quando olhamos para o resto do planeta, em particular para os EUA e para a Europa, não podemos tirar os olhos do Japão e dos problemas que derivam desta tragédia, até porque Tóquio é uma das principais praças financeiras do mundo, tem grandes reservas de dívida soberana de vários países, a sua moeda tem fortes implicações cambiais e é um dos maiores fornecedores de componentes eletrónicos do mundo, para além de uma forte presença de empresas estrangeiras no território, que foram e continuarão a ser afetadas pela tragédia (estima-se que os prejuízos para empresas americanas sejam já na ordem dos 10 mil milhões de euros)4.
O Japão já vive um crise económica crónica há mais de 20 anos, com a deflação a registar um gap5 de aproximadamente 20 triliões de yens (~246 milhões de dólares)6, é agora confrontado com necessidade de capitalizar e financiar a reconstrução, em grande escala, da sua economia, ao mesmo tempo que se vai deparar com uma já crónica crise de endividamento, num enquadramento mundial no mercado de divida também muito desfavorável. Acresce a isto as dificuldades que derivam das limitações de abastecimento de água, produtos e energia, devido às perturbações dos circuitos industriais, comerciais e de fornecimento - ainda que seja uma situação limitada temporalmente.
Ora, perante estas condições, que obrigam a uma necessidade enorme de capitais numa economia já altamente endividada, é certo que devemos esperar que o Japão pare de comprar os títulos de tesouro dos EUA (T-Bonds) e que, inclusivamente, comece a vender uma parcela significativa das suas reservas da divida publica americana. Com isto, outros países, nomeadamente a China (que já se tem mostrado relutante a comprar mais divida publica americana7), devem fazer o mesmo e começar a vender divida pública dos EUA, mais não seja porque querem proteger-se da eventual desvalorização do seu stock.
A Setembro de 2010, oficialmente8, o Japão e os países do Golfo eram responsáveis por 1.071 mil milhões de dólares da divida pública americana, ou seja, 7.90% do total. A China, há mesma data, detinha oficialmente9 1.288 mil milhões de dólares, aproximadamente 9.50% da dívida do Governo dos EUA (~13.562 milhões de dólares).
Tudo isto cria uma enorme pressão sobre os EUA. Perante estes valores, é fácil de imaginar o quanto este desastre, para além de outros fatores, vai afetar o desempenho da economia e dos mercados acionistas americanos, pelo menos na medida em que haverá uma maior pressão sobre a divida pública americana, o que torna cada vez mais necessário a QE3, mas ao mesmo tempo menos provável devido à inflação.
O problema da Quantitative Easing 3
As pressões inflacionarias que deverão ser provocadas pela subida do preço petróleo, gás natural e carvão, derivada de um abrandamento forte do desenvolvimento das energias nucleares civis, antecipando o efeito do peak oil10, pela subida de preços dos alimentos, em consequência de alguma desorganização nos circuitos mundiais de distribuição e na menor oferta de produtos alimentares produzidos no Japão, como é o caso do Arroz (uma das regiões mais afetadas pelo Tsunami no Japão era uma das maiores plantações de arroz11), pela diminuição da oferta de componentes eletrónicos12 que deverá resultar numa subida bastante acentuada neste tipo de produtos e consequentemente nos equipamentos que deles necessitam para funcionar, e pela própria desvalorização do dólar americano; todos estes fatores deverão ser suficientes para tornar impossível a QE3.
Passamos portanto da necessidade de um QE3, à impossibilidade de o realizar.
É uma irresponsabilidade, como muitos especialistas o fizeram no inicio, continuar a ignorar o efeito deste tipo de medidas político-económicas extremas na economia e, em particular, nos mercados acionistas, principalmente quando a Fed é já responsável, direta e oficialmente, por 70% das novas emissões da divida publica e, indiretamente, por via de contas baseadas em Londres e em outras praças financeiras offshore, por 90% da compra de novas emissões. Mas o mais importante é o efeito dos 600 mil milhões de dólares em uso na QE2 conforme descrito no artigo “Don’t fight the fed”13 . Os 600 mil milhões de dólares representam 4% do PIB americano, o que seria o suficiente para pagar aproximadamente 7 anos de todos os ordenados e salários em Portugal14 .
O facto é que o mercado americano já subiu mais de 50% desde de a intervenção da Fed e várias empresas já atingiram valores pré-Lehman.
Os EUA necessitam, claramente, de uma QE3, talvez ainda mais forte do que já foi a monstruosa QE2 que acaba no final deste semestre, em Junho. No entanto, será quase impossível implementa-lo eficazmente devido à pressão inflacionista que se deverá assistir e pode até ditar que entrem num ciclo de subidas de taxas de juro, algo que para já Ben Bernanke tem negado fazer e a todo o custo evitado.
Os dados económicos dos EUA, tem vindo a mostrar sinais de melhoria na economia, nomeadamente ao nível do desemprego que tem vindo a baixar, com a Fed a justificar essa melhoria com a subida dos mercados acionistas devido ao seu estimulo económico (QE). Mas por outro lado temos a fraqueza do dólar, que embora a sua desvalorização tenha vindo ajudar a retoma da economia, ao torna-la mais competitiva relativamente a outros países com moeda mais forte, aumentado assim as exportações, o que se verifica é que a moeda americana deixou de ser uma moeda defensiva continuando a desvalorizar em relação a quase todas as principais moedas, não obstante os problemas que esses outros países têm e ao aumento de circulação da moeda também nesses países, seja via compras da divida publica do Banco Central Europeu (BCE) ou outros mecanismos (uma forma menos notória da Quantitative Easing), que deveria ditar também a desvalorização do Euro, o que não tem acontecido em relação ao dólar e outras moedas.
Por sua vez, a desvalorização do dólar deverá ampliar a subida do petróleo, gás natural, carvão, ouro, trigo, etc, pressionando mais a economia com o espectro da inflação.
Em função destas observações, considerando a impossibilidade de promover uma QE3 devido a pressões inflacionistas, os EUA podem estar na eminencia, para o segundo semestre do ano, de uma implosão no mercado de divida pública americana, sendo os máximos que devemos registar neste trimestre que vai começar, o “canto do cisne”.
Possíveis oportunidades:
1- Deslocar (apenas em Junho - até lá continuar completamente investido) os investimentos em índices americanos e europeus para:
a) Commodities, nomeadamente energéticas, tais como petróleo, gás natural e carvão; metais, tais como ouro (beneficiando quer da descida do dólar, quer beneficiando do seu uso como valor de refugio e moeda de troca comercial e beneficiando também do short squeeze das posições dos bancos centrais vendidas a descoberto pelas casas de investimento e bancos de ouro15) e prata, assim como agrícolas, tal como o trigo, milho e arroz;
b) Empresas produtoras de componentes eletrotécnicos, com possível hedge sobre empresas de comercio de equipamentos eletrotécnicos (comprar as primeiras e vender - short - as segundas).
2- Vender obrigações, que serão altamente penalizadas quer pela eventual implosão de divida publica e quer pela eventual subida das taxas de juro.
3- As energias renováveis poderão beneficiar da crise no nuclear, no entanto, é um terreno muito arriscado para investir, na medida em que economicamente não são sustentáveis, pois dependem de vários incentivos à produção, nomeadamente benefícios fiscais, que poderão desaparecer de um momento para o outro devido às medidas de austeridade que os governos terão necessidade de implementar.
Por: Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais e autor do livro “Estudos no Mercado de Capitais”, da Editora ATM.
Notas de rodapé
1. “Compre novos máximos”
http://associacaodeinvestidores.com/blog/archives/384
2. “Japan shares jump more than 14 percent”
http://www.asiaone.com/Business/News/Story/A1Story20110315-268178.html consultado em 21 de Março de 2011
3. O Japão é a economia mais endividada do mundo, com 225.80% do PIB, de acordo com a estimativa para 2010 do “The World Factbook”.
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2186rank.html consultado em 22 de Março de 2011
4. As receitas de muitas empresas americanas derivam de uma forte e direta exposição à economia japonesa, como é o exemplo da AFL, AUTH, BLD, CODE, COH, DLB, DSPG, DTSI, FCX, FORM, IDCC, KLAC, LBTYA, LRCX, MAXY, MOSY, OMG, PRLS, PXLW, RDGX, RMBS, SIMG, SNPS, STAA, TXCC, VOLC, etc.
5. O gap deflacionário ocorre quando os gastos totais da economia é insuficiente para comprar toda a produção que pode ser obtida numa situação de pleno emprego.
6. 20^12 yens = 20 mil milhões de yens
7. “Will China Dump U.S. Debt?”
http://curiouscapitalist.blogs.time.com/2010/02/26/will-china-dump-u-s-debt consultado em 22 de Março de 2011
8. Estima-se que o Japão e os países do Golfo tem muito mais divida publica americana do que aquela que esta a ser reportada oficialmente. Estima-se que o valor da divida publica realmente detida por estes países seja de ~13% do total da divida publica dos EUA, sendo a maioria detida em praças offshore.
9. Estima-se que a China tem muito mais divida publica americana do que aquela que esta a ser reportada oficialmente. Estima-se que o valor da divida publica realmente detida pela China seja de ~15% do total da divida publica dos EUA, sendo a maioria detida em praças offshore.
10. Seminário: “A Factura da Energia”
http://associacaodeinvestidores.com/blog/archives/85
11. Aomori, Iwate, Miyagi e Fukishima, afetadas pelo terramoto e pelo tsunami, são responsáveis por ~18% da produção anual de arroz no Japão. Devido à agua salgada que penetrou nas plantações, a produção pode ficar parada durante bastante tempo.
12. “How Taxes and the Consumer Price Index (CPI) Component Weights Hide Inlfation”
http://www.fonerbooks.com/cpi-u.htm consultado em 22 de Março de 2011
13. “Don’t fight the Fed: Quantitative Easing”
http://associacaodeinvestidores.com/blog/archives/356
14. 69.050 milhões de euros em ordenados e salários em 2009
15. “Investigation of Gold Price Manipulation Launched by GATA; Berger & Montague Retained as Counsel”
http://www.gata.org/node/4230 consultado em 22 de Março de 2011
Bibliografia
Niwa, Haruki, 2000, The recent deflationary gap in Japan: A Quantitative Measurement, Journal of Asian Economics, Volume 11, Issue2, Summer 2000, pages 245-258;
Niwa, Haruki, 2000, The deflationary gap in Japan, 1970-2000: A Quantitative Measurement
http://www.niwa-haruki.com/dgJapan2002.pdf consultado em 22 de Março de 2011
Shishido, Shutaro et Al., 2000, Policy Recommendations to Japnese Political Parties as General Election Approaches
http://tek.co.jp/p/link/policy_recommend_e.html consultado em 22 de Março de 2011
Japan Center for Economic Research, 2003, Japan Financial Report n.º 8
http://www.jcer.or.jp/eng/pdf/kinyuE8.pdf consultado em 22 de Março de 2011
Referências
“China holds more U.S. debt than indicated”, The Washington Times, March 2, 2010
http://www.washingtontimes.com/news/2010/mar/02/chinas-debt-to-us-treasury-more-than-indicated consultado em 22 de Março de 2011
“Japan crisis not to hit global rice prices, may lift home prices”, March 16, 2011, Commodity Online
http://www.commodityonline.com/news/Japan-crisis-not-to-hit-global-rice-prices-may-lift-home-prices-37307-3-1.html consultado em 22 de Março de 2011
USA Rice Federation
http://www.usarice.com
Pordata
http://www.pordata.pt
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2. Conflito de Interesses
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A pessoa singular, supra identificada como autora da análise, assim como seus familiares, detêm direta ou indiretamente posições (longas) nos mercado bolsistas e interesse na subida dos principais índices de referência americanos, nomeadamente o S&P500.
Detém no médio e longo prazo as seguintes ações no mercado americano: AFFY, HUM, IXYS e KCI. Pode deter posições longas ou curtas em outras ações e ativos em posições de muito curto prazo e operações de hedging.
Tal situação pode constituir conflito de interesses real, aparente ou possível.
3. Grupo de trabalho
Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º-D do Cód.V.M., sobre a “divulgação de recomendações de investimento elaboradas por terceiros”, informa-se o seguinte:
3.1. Pessoa Coletiva Autora do Estudo
ATM | Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais
3.2. Pessoa Singular Autora da Análise
Octávio Viana, Presidente da Direção da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais
3.3. Relator
Octávio Viana, Presidente da Direção da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais
4. Conteúdo da recomendação
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