O relatório de Mario Draghi, apresentado em 9 de setembro, oferece uma análise profunda dos desafios enfrentados pela União Europeia (UE), identificando as suas causas e propondo soluções potenciais.
De facto, desde o início do século, a UE tem experimentado um crescimento económico anémico, por apostas estratégicas erráticas, que resultaram num aumento do fosso de produtividade em relação aos Estados Unidos. Esta situação é agora agravada pela desaceleração do comércio mundial e pela perda do principal fornecedor de energia barata, a Rússia. Além disso, a UE tem ficado para trás na transição digital, especialmente quando comparada com os EUA e a China.
Mario Draghi sublinha que o problema não reside na falta de ideias ou de ambição dentro da UE. Pelo contrário, a inovação está presente, mas o verdadeiro desafio é transformar essa inovação em valor acrescentado e riqueza, ou seja, na sua comercialização. Draghi sugere que a UE deve focar-se em criar um ambiente que facilite a transformação de ideias inovadoras em produtos e serviços comercializáveis de elevado valor acrescentado. Isso inclui a melhoria das infraestruturas digitais, o incentivo ao investimento em tecnologia e a criação de políticas que promovam a competitividade e a produtividade, de forma sustentável.
Além disso, Draghi destaca a importância de uma política energética robusta e diversificada para garantir a segurança energética da UE. A dependência excessiva de um único fornecedor de energia pode ser prejudicial, como demonstrado pela recente perda da Rússia como fornecedor principal. Portanto, é crucial que a UE invista em fontes de energia alternativas e renováveis para assegurar um fornecimento estável e sustentável.
Assim, Draghi sugere três áreas principais de ação:
1. Inovação e Transição Digital: A UE precisa focar na transição digital e em tecnologias avançadas para aumentar sua produtividade, o que inclui aumentar o investimento em pesquisa e inovação e reduzir as barreiras regulatórias internas;
2. Descarbonização e Competitividade: A UE deve coordenar as suas políticas climáticas para garantir que os esforços de descarbonização sejam aliados da produtividade e da competitividade; e
3. Redução de Dependências: A UE precisa de uma política económica externa coesa para garantir cadeias de abastecimento de matérias-primas e tecnologias críticas, incluindo a construção de reservas estratégicas e o fomento de parcerias industriais.
Para alcançar estes objetivos, o relatório estima que será necessário um investimento adicional anual entre €750 e €800 mil milhões (4,4% a 4,7% do PIB da UE em 2023). Aumentar impostos e/ou a dívida pública nesta magnitude é inviável, pelo que o financiamento privado é crucial.
As instituições de crédito da União Europeia (UE) enfrentam desafios significativos quando se trata de financiar empresas inovadoras. Uma das principais dificuldades é a avaliação de colaterais intangíveis, como propriedade intelectual, patentes e outros ativos não físicos. Este tipo de colaterais são frequentemente difíceis de quantificar e avaliar, o que torna as instituições de crédito relutantes em aceitá-los como garantias para empréstimos. Essa relutância limita o acesso ao financiamento para muitas startups e empresas inovadoras, cujo ativo é sobretudo intangível.
Além disso, a UE não utiliza titularizações com a mesma frequência e escala que os Estados Unidos. A titularização é o processo de transformar um conjunto de empréstimos em títulos, que são posteriormente subscritos por obrigacionistas. Nos EUA, esta prática é amplamente utilizada para aumentar a liquidez e permitir que as instituições de crédito libertem capital para novos empréstimos. A menor utilização de titularizações na UE significa que as instituições de crédito europeias têm menos flexibilidade para transformar os seus ativos em liquidez, traduzindo-se num menor apetite ao risco de crédito e em menores rácios de transformação.
Nestas circunstâncias, o mercado de capitais deveria ser uma alternativa de financiamento para as empresas da UE, mas permanece fragmentado, com regulamentações e fiscalidades díspares, e sem uma União dos Mercados de Capitais. Além disso, os fluxos de poupança para os mercados de capitais na UE, especialmente através de planos de pensões, são limitados. Em 2022, os ativos sob gestão dos fundos de pensões na UE eram apenas 32% do PIB, enquanto nos EUA eram 142% e no Reino Unido 100%. Isto deve-se ao facto das pensões serem geridas pelos sistemas de segurança social dos Estados-Membros.
Para desbloquear o capital privado, Draghi sugere que a UE deve construir uma União dos Mercados de Capitais, complementada por um sistema robusto de fundos de pensões. O relatório também propõe que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) se transforme de um órgão coordenador dos reguladores nacionais num regulador único, semelhante à Securities and Exchange Commission dos EUA. Isso exigiria mudanças na governança da ESMA e nos processos de tomada de decisão, afastando-os dos interesses nacionais dos Estados-Membros da UE. Harmonizar os quadros de insolvência também será crucial para remover a fragmentação causada por diferentes hierarquias de credores, enquanto a UE deve continuar a eliminar obstáculos fiscais ao investimento transfronteiriço no espaço comunitário. Estas medidas facilitariam a centralização da compensação e liquidação de valores mobiliários. O relatório sugere ainda a criação de uma plataforma única de contraparte central e um único depositário central de valores mobiliários para todas as negociações.
Além disso, a UE deve canalizar melhor as poupanças das famílias para investimentos produtivos, principalmente através de produtos de poupança de longo prazo, como pensões. Para aumentar o fluxo de fundos para os mercados de capitais, a UE deve incentivar a oferta de planos de pensões, desenvolvendo o segundo pilar da segurança social, replicando os exemplos bem-sucedidos dos EUA e do Reino Unido.
O relatório também recomenda medidas para revitalizar a titularização e completar a União Bancária.
Para os investidores, estas reformas propostas por Mario Draghi representam uma oportunidade significativa para um mercado europeu mais integrado e eficiente. A criação da União dos Mercados de Capitais e a harmonização das regulamentações fiscais e de insolvência são passos cruciais que podem aumentar a liquidez e reduzir os riscos associados aos investimentos transfronteiriços no espaço comunitário. Além disso, a transformação da ESMA num regulador único pode trazer maior transparência e confiança ao mercado, atraindo mais investidores.
A canalização das poupanças das famílias para investimentos produtivos, especialmente através de produtos de poupança de longo prazo como os planos de pensões, pode fornecer uma base sólida de capital para o crescimento económico.
Com estas reformas, a UE pode não só fechar o fosso de produtividade com os EUA e a China, mas também posicionar-se como um líder global em inovação e sustentabilidade.
Para os investidores, significa um mercado mais previsível e seguro, com oportunidades diversificadas e potencial de retorno significativo. A aposta num mercado europeu revitalizado e competitivo pode ser uma estratégia lucrativa, alinhada com as tendências globais de crescimento sustentável e inovação tecnológica.
Nuno Oliveira Matos
ATM – Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais
Citizen's Voice - Consumer Association Advocacy
Sócio da Carrilho & Associados, SROC, Lda.